Ana Rita de Calazans Perine
5 min readOct 10, 2017

JUSNATURALISMO E POSITIVISMO JURÍDICO

(reflexões revisitadas)

Preâmbulo

A discussão que põe em confronto o Direito Natural com o Direito Positivo (ou legislado) é um dos mais importantes temas da História da Filosofia do Direito, constituindo uma das mais longas controvérsias da história do pensamento filosófico-jurídico. Na tentativa de dirimir a questão nos deparamos com definições que falam da essência da Natureza e do Ser Humano.

Quando tratamos da natureza do homem, a própria doutrina do Direito Natural radicaliza ao dividir-se em duas:

· Direito Natural Ideal — A essência do homem é determinada a partir da razão (logos, inteligência). O Direito Natural constitui uma ordem eternamente válida e cognoscível pela razão. Heráclito, Parmênides, Platão, Aristóteles, Santo Tomás.

· Direito Natural Existencial — A essência primeira do homem fala de atos volitivos ou impulsos de natureza pré-racional. O Direito natural se baseia em decisões condicionadas pelas situações concretas dadas, ou na afirmação vital da própria existência. Todas as linhas positivas depois de Hegel.

A distinção entre as duas correntes se dá pelas concepções fundamentalmente opostas que adotam acerca do homem: uma contemplativa, apolínea, do homem sapiens; outra dionisíaca, do homo faber, representada por diversas correntes assentadas em diferentes pontos de vista acerca da espécie humana.

Para que possamos distinguir preceitos naturais dos especialmente legislados para atender situações concretas dadas, precisamos verificar se há preceitos jurídicos permanentes no mundo da cultura. E eles existem. Podemos verificar a existência de princípios jurídicos que constituem postulados prévios a todo e qualquer tipo de sociedade. Em outras palavras, existem normas que constituem o fundo da legalidade, base de todas as construções institucionais, de toda a sociedade possível, incluindo o Estado como a mais importante das sociedades, a sociedade política.

Jusnaturalismo e Positivismo Jurídico

O Jusnaturalismo — É a concepção que afirma a existência do Direito Natural como realidade anterior e superior ao Direito Positivo, estabelecido pelos homens. Como elemento básico e nuclear da ordem jurídica e medida da legitimidade do Direito Positivo, o Direito Natural nos remete a existência de uma lei moral natural reguladora do agir humano. Os conceitos de direito natural e natureza são variáveis, como o são também as correntes intituladas jusnaturalistas, por vezes acentuadamente dissemelhantes. Algumas das principais classificações acadêmicas:

· Jusnaturalismo Realista Clássico — Tradição aristotélica, romanista e tomista.

. Jusnaturalismo Racionalista Moderno — Séculos 17 e 18.

· Jusnaturalismo em Sentido Estrito — Verdadeiro direito natural ontologicamente fundado.

· Jusnaturalismo em Sentido Lato (ou objetivismo jurídico) — Embora exijam certos condicionamentos ao direito, para fugir da arbitrariedade não chegam ao direito natural stricto sensu.

Em uma visão clássica, o tema do Direto Natural pertence tanto à filosofia jurídica (aspectos gerais e radicais atinentes à essência desse direito) quanto à ciência jurídica (jurisprudência). Cabe a ciência do direito natural ocupar-se dos fatores naturais do ordenamento jurídico, enquanto concorrem, juntamente com fatores positivos, para a determinação das soluções jurídicas concretas. Modernamente isto foi subvertido, absorveu-se o direito natural na filosofia e restringiu-se a ciência jurídica ao direito positivo.

O Positivismo Jurídico — Ramificação do movimento positivista, de Augusto Comte (*), defende autonomia e primazia do direito legislado, estabelecido pelos homens. Curiosamente, no Brasil, o Direito foi a única esfera da cultura onde os positivistas não asseguraram uma posição de franco predomínio no período republicano, sendo inclusive contestado pelos partidários da Escola do Recife como pelos defensores do Direito Natural: o ensino jurídico desempenharia um papel eminentemente negativo, formando homens para fazer leis quando o que incumbia a ciência seria descobri-las; as escolas de direito despejam sobre o país uma onda calculada de saber incerto, virtudes falsas e anarquia certa; reduz-se o Direito a uma parte da sociologia, entrega-se a jurisprudência a voracidade do imperialismo sociológico.

Síntese

Direito, humanismo e cosmovisão são conceitos interligados, que atendem também as exigências espirituais do homem. Olhando a Natureza como obra totalitária de Deus, da qual faz parte o homem e suas projeções sociais institucionais, em última análise, a concepção do Direito será sempre a do Direito Natural. Não caberia controvérsia alguma.

A gênese fundamental do Direito, como qualquer outra realidade científica, deve ser procurada nas expressões primárias de suas manifestações. Lá nos deparamos com o conceito das normas jurídicas naturais como aquelas cuja ausência impossibilita a vida social. Mais uma vez fica evidente a artificial controvérsia do confronto entre Direito Natural e Positivo.

Uma norma que juridicamente não se positiva na eficácia social é pura idealidade, ideia não adequada as forças impulsivas que na convivência social organizada impelem o homem a realização de seus valores. Por outro lado, uma norma aceita por estas forças, não tendo sido especificamente institucionalizada a partir da norma natural basilar, não passa de arbitrariedade. Todo Direito é positivo e ao mesmo tempo natural, segundo a natureza específica racional do homem existencial.

A caminho da Justiça e de uma verdadeira síntese, precisamos aprender a ver o Direito sempre como uma Lei Universal passível de tantas particularizações quantas forem as circunstâncias específicas as quais se quer fazê-la incidir.

Justo aí, na busca da essência da lógica da lei: promover e viabilizar justiça, que reside o valor da Filosofia do Direito, mente e coração de todo aparato legal. Ela clama por ser legitimada e restaurada em nossas sociedades.

Privados de seu contínuo exercício de distanciamento necessário para ponderar e ampliar o olhar, tão próprio da Filosofia, nos resta um Direito acrônico, convertido em guerra bacteriológica… corpos jurídicos necrosados que se arrastam e contaminam o humano com ideias difusas, carcomidas, reducionistas, retrógradas e sem vida.

(*) Augusto Comte (1798–1857): fundador do positivismo, renegou como anti-científico o que não pode ser medido nem mensurado; distingue três períodos na evolução da humanidade, o teológico (fenômenos naturais atribuídos ingenuamente a divindade), o metafísico (as abstrações) e o positivo (método experimental); sua máxima “o amor por princípio, a ordem como base e o progresso como fim” inspirou Miguel Lemos e Teixeira Mendes, do positivismo religioso, a idealizar o “Ordem e Progresso” da bandeira brasileira. Aqui no Brasil, entre os adeptos do positivismo: Júlio de Castilhos (1830–1930) e Getúlio Vargas, no campo político; Benjamim Constant (1836–1891) e Tobias Barreto (1840–1922), no meio acadêmico. A partir de 1930 começa seu declive. Na Inglaterra destacam-se: Stuart-Mill, Herbert Spencer, Malthus, Bentham e Adam Smith. Na França: Laffite, Littré, Taine e Renan. Na Alemanha: Büchner, Vogt, Haeckel e Moleschott.

Ana Rita de Calazans Perine

Filósofa Clínica, Pesquisadora, Educadora, Mobilizadora Social e Empresarial / Instituto ORIOR — Resgate Filosófico, Transdisciplinaridade e Sustentabilidade.