CASAMENTO, um dos mais importantes contratos, e tão pouco validado…

Ana Rita de Calazans Perine
3 min readJul 9, 2021

Casamento, uma das instituições mais antigas de que se têm notícias. Embora tenha sofrido modificações substanciais e imprescindíveis ao longo da história, ainda persiste dando o tom do agrupamento íntimo que se denomina família.

Enquanto contrato e instrumento jurídico, o casamento rege duas vidas que de livre vontade optam pela união, compartilhando trajetórias e construindo caminhos comuns tendo como mais lato foco — objeto — a felicidade mútua. Tácito ou expresso, o contrato precisa ser sempre consensual!

Como todo acordo entre as partes que se preze, apartadas cláusulas escusas e leoninas, pode ser rescindido a qualquer momento, a depender da vontade expressa das partes, ampla e indiscutivelmente legitimadas sempre que o objeto do mesmo — felicidade mútua — seja gravemente ferido.

Obviamente que em se tratando de uma relação, seria ingenuidade de nossa parte pensar que o objeto se mantivesse intocado ao longo dos anos, nem os mais célebres contos de fada dão conta desse intento. Todos, assim como na vida cotidiana, apresentam percalços. O que não pode ser admitido é um ferimento negligenciado, que muito provavelmente, se não conduzir a morte da instituição de fato e de direito, acarretará na perda do brilho nos olhos, vitalidade e alegria de todos os seus integrantes — não só do casal, mas da família originada, incluindo amplos laços afetivos estabelecidos a partir desta união.

Voltando aos contos de fada, vocês já perceberam que estão repletos de atos heroicos? Neles promove-se o intercruzamento dos arquétipos feminino e masculino, em um esforço volitivo e consciencial diário conquistando o equilíbrio necessário para fazer valer o final feliz.

Não há “e foram felizes para sempre” que não tenha que ser construído dia a dia. Não recebemos histórias prontas, somos nós que as escrevemos e interpretamos. Ainda que já se nasça com um roteiro, muito bem e firmemente estipulado pelos valores que absorvemos de nossas famílias e grupos sociais desde nosso nascimento, é ao ator que cabe a interpretação do texto e a movimentação do personagem nesse grande palco da existência. Atores engessados e sem iniciativa põe em risco qualquer montagem.

A saúde de uma relação é dada pelo grau de fidelidade, em primeiríssimo lugar, a nós mesmos. Se o senso de identidade em movimento — quem sou, onde estou, para onde e como vou — é tão preservado e constantemente aferido em sérios projetos organizacionais que envolvem quantias bastante significativas de dinheiro, como não fazê-lo no âmbito doméstico? Ambiente em que, convenhamos, a pecúnia envolvida é de valor incomensurável: a felicidade humana.

Há que nos percebermos, enquanto família ainda estruturada pelo contrato a que se estipulou denominar “casamento”, que ele precisa ser atentamente observado, lido e experienciado nas entrelinhas de todos os seus pormenores. Tudo isso, a fim de detectar desvios e infrações que nos façam assumir papeis que não nos cabem, justo por nos afastar do objeto que ele contempla.

Podendo ser revisto, ótimo, que assim se faça! Não o sendo, que as individualidades sejam preservadas para o bem de todos os envolvidos, o contrato desfeito, e as vidas reencaminhadas. Continuaremos a trilhar pela mesma estrada, é certo, o sentido de família é infinitamente maior que um contrato! Mas, o faremos com mais respeito, harmonia e alegria, porque retomamos o ritmo que nos cabe.

Todos nós caminhamos mais leves, alegres e dispostos a encontrar os demais sempre que não abdicamos de nossa verdadeira natureza, espécie de bússola interna que paulatinamente nos conduz a tão almejada felicidade. Felicidade essa que não é fruto de grandes arroubos, mas da serenidade contemplativa de quem une, ao longo da caminhada, os mundos do uti (útil, utilizável, utensílio) e do frui (fruir, usufruir, desfrutar), ordens da utilidade e da fruição (Santo Agostinho), princípios da realidade e do prazer (Freud), mundos do isso e do tu (Martin Buber), caixas de ferramentas e de brinquedos (Rubem Alves).

(Texto de Agosto de 2013)

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Ana Rita de Calazans Perine

Filósofa Clínica, Pesquisadora, Educadora, Mobilizadora Social e Empresarial / Instituto ORIOR — Resgate Filosófico, Transdisciplinaridade e Sustentabilidade.