ANCESTRALIDADE
Sabem aqueles dias de inquietude das bravas?! Pois é, amanheci assim… Tem momentos em que nem a gente consegue ser muito boa companhia para gente mesmo, que dirá para os outros. Aguardei tremendamente bem intencionada meu filho adolescente chegar do Colégio, sairíamos para almoçar juntos! Quem sabe um restaurante novo, sair da mesmice da comidinha de casa ou dos já velhos conhecidos restaurantes da cidade. O mal humor e preguiça com que chegou me deu vontade de me dependurar no pescoço dele e ver mudar de cor. Dependurar literalmente, pois a criatura está muito maior que eu. Como assim, chegar interrogando exclamativamente: “ué, não tem comida em casa?!” De onde estará surgindo este troglodita?! Eu me nego a alimentar isto: “ Ah, vai te catar, Guri!”
Não queres ir comigo no restaurante que gosto, por pura preguiça de andar mais uma quadra?! Então te vira, nos vemos mais tarde! Sabia que ele tinha dinheiro suficiente para correr até o restaurante próximo…
Almocei com calma. O trabalho que esperasse um pouco, resolvi andar pela cidade. Já bem movimentada, mais um Natal Luz estreando. Preparativos a mil, turistas encantados. Dia gostoso, sol realçando ainda mais as cores.
Gramado sabe ser competente, capricho e olhar atento aos mínimos detalhes. Por isso que a gente se perturba tanto quando vê alguém descartando indevidamente o lixo ou surrupiando flores dos canteiros… Sim, pasmem, há quem os faça! Felizmente, uma minoria.
Assim segui até onde eu mais sinto a alma de Gramado, a Praça das Etnias. Singela, mais de muito significado para mim. Lá sentei em um banco no sol, alheia ao burburinho dos transeuntes… Fiquei lagarteando, sentindo minha pele aquecer suavemente, batia um ventinho gostoso, que trazia o doce aroma das flores de mel… Jamais consegui permanecer indiferente a este cheiro. Ele e o dos jasmins e camélias, me lembram a Vó Normélia e o Vô Floriano, meu bisavós maternos. Ah! Detalhe, o banco que escolhi permitia vista panorâmica, privilegiada, da Casa Italiana, inevitável não estar com o Nonno e a Nonna em mente, avós paternos. Em meio ao perfume da flor de mel, vinha ao longe o cheirinho dos pães e das cucas que saiam dos fornos de barro, junto a Casa do Colono. Claro que lágrimas rolaram.
A inquietude foi me abandonando, coração serenando, mente clareando, ideias delineando passos até então um tanto incertos. Aquele banco ficou pequeno, de tanta gente querida que me acompanhava… Lembrei dos Natais de outrora, mais uma vez constatei que jamais deixaram de estar comigo ao longo de todos estes anos. É justo por eles que me emociono a cada edição do Natal Luz. Um enfeite instalado ou reparado aqui me lembra as faxinas apoteóticas de final de ano, que preparava a todos para uma ocasião pra lá de especial. Outro enfeite acolá traz os cheiros que exalavam as cozinhas, em receitas especiais de geleias e fornadas de biscoitos delicadamente desenhados e confeitados com a ajuda da criançada. Parte deles integraria a ceia natalina da família, outros tantos seriam ofertados com antecedência aos amigos queridos, forma de também se fazerem presentes junto deles na Grande Noite de Luz, noite de Natal.
Ancestralidade é isto: ilumina, dá cor, imprime sentido, faz transbordar respeito, cuidado e amor… Ancestralidade é tudo, é chave-mestra que abre portas e rompe barreiras, até da mágoa e da dor… Ela nos põe no colo e acalenta. Depois sacode, instiga e impulsiona nosso resplendor… É assim a danada, irreverente, chega a fazer um friozinho gostoso no estômago da gente…
Do banco, comprei uma cuca de chocolate, a preferida do meu filho. Vim pra casa, comemos juntos, trocamos as lâmpadas do apartamento por outras mais suaves, amareladas, incrementamos um bocadinho mais a decoração natalina e… batemos boca por causa da música que tocava! Eu digitando este texto agora, ele no quarto. Logo mais sairemos juntos, caminhando pela cidade, para conferir o acendimento das luzes. Estas, que apesar dos ventos das emoções, jamais permitimos que apaguem em nossos corações.
Nunca estamos sós! A torcida é grande… Muitos não só caminham ao nosso lado, como impulsionam o melhor da nossa jornada… E a isto também se chama Amor! Aquele, que o Menino — como outros Grandes Mestres de Sabedoria — nasceu pra sinalizar.